A obesidade sarcopênica é um termo cada vez mais utilizado na literatura médica para descrever a coexistência de obesidade com sarcopenia, a perda progressiva e generalizada de massa e força muscular esquelética. Essa condição tem ganhado relevância não apenas por seu impacto funcional, mas também por suas implicações metabólicas e cardiovasculares graves.
Em 2023, um artigo publicado na Frontiers in Endocrinology destacou a necessidade urgente de categorizar a obesidade sarcopênica como uma entidade clínica distinta, com critérios diagnósticos bem estabelecidos. Tal definição é essencial para a elaboração de estratégias terapêuticas eficazes e para o entendimento das correlações entre essa condição e outras doenças crônicas, especialmente as cardiovasculares.
Artigo: Frontiers | Sarcopenic obesity: epidemiology, pathophysiology, cardiovascular disease, mortality, and management (frontiersin.org)
O Que é Obesidade Sarcopênica?
A obesidade sarcopênica representa um desafio diagnóstico, pois associa dois fenótipos paradoxais: o excesso de gordura corporal e a diminuição da massa muscular magra. Embora ambas as condições sejam, isoladamente, fatores de risco para morbidade e mortalidade, sua interação potencializa efeitos deletérios sobre o organismo, com destaque para o sistema cardiovascular.
Diferente da obesidade isolada, onde o excesso de tecido adiposo já implica em risco metabólico, a obesidade sarcopênica adiciona um componente funcional importante: a perda de força e mobilidade. Isso dificulta a prática de atividade física, favorece o sedentarismo e perpetua um ciclo de inflamação crônica, resistência à insulina e disfunção endotelial.
Evidências Científicas: Obesidade Sarcopênica e Risco Cardiovascular
Uma metanálise publicada na Frontiers in Endocrinology reuniu dados de 151 estudos para analisar a relação entre obesidade sarcopênica e desfechos cardiovasculares. Os resultados foram contundentes: pacientes com esse perfil apresentaram maior prevalência de doenças cardiovasculares como:
- Doença arterial coronariana (DAC)
- Arritmias cardíacas
- Insuficiência cardíaca
- Aterosclerose acelerada
- Calcificação de artérias coronárias
Essas manifestações clínicas apontam para um risco cardiovascular elevado e frequentemente subestimado.
Mecanismos Fisiopatológicos Envolvidos
A interação entre obesidade e sarcopenia cria um ambiente metabólico altamente desfavorável. A obesidade visceral leva à produção exacerbada de adipocinas pró-inflamatórias, como TNF-alfa, IL-6 e leptina que, combinadas com a baixa massa muscular, desencadeiam estresse oxidativo sistêmico.
Esse estresse oxidativo promove:
- Oxidação de lipoproteínas de baixa densidade (LDL), que se tornam mais aterogênicas;
- Dano endotelial, com perda da função vasodilatadora do óxido nítrico;
- Formação de placas de fibroateroma, com agregação de colágeno e células inflamatórias.
Além disso, a redução da massa muscular prejudica a captação de glicose e contribui para o desenvolvimento de resistência à insulina, síndrome metabólica e alterações no metabolismo de glicolipídios, todos fatores bem conhecidos de risco cardiovascular.
Disfunção Endotelial e Aterosclerose Acelerada
A deterioração do endotélio vascular é uma das primeiras etapas na gênese da aterosclerose. Nos pacientes com obesidade sarcopênica, a inflamação crônica associada à disfunção mitocondrial e à inatividade física contribui para a perda progressiva da integridade endotelial.
As evidências mostram que esses indivíduos apresentam maior espessamento da íntima-media carotídea e maior deposição de cálcio nas artérias coronárias, ambos marcadores precoces e confiáveis de risco cardiovascular aumentado.
Implicações Clínicas: Diagnóstico e Manejo
Apesar do reconhecimento crescente da obesidade sarcopênica, ainda não há um consenso definitivo sobre os critérios diagnósticos. Alguns dos parâmetros utilizados incluem:
- Índice de Massa Corporal (IMC) elevado (> 30 kg/m²);
- Baixa força de preensão manual;
- Redução da massa muscular medida por DXA, bioimpedância ou ressonância magnética;
- Baixo desempenho físico (teste da caminhada ou levantar da cadeira).
O manejo clínico deve ser individualizado e multidisciplinar, com foco em:
- Treinamento de força muscular e resistência aeróbica;
- Dieta hipocalórica com alta densidade proteica;
- Monitoramento metabólico rigoroso;
- Controle da inflamação e da resistência à insulina.
É importante destacar que, em muitos casos, o simples foco na perda de peso pode não ser suficiente. O objetivo deve ser preservar ou aumentar a massa muscular enquanto se reduz seletivamente a gordura visceral.
Conclusão: Por Que a Obesidade Sarcopênica Merece Destaque na Cardiologia?
A obesidade sarcopênica é mais do que a soma de obesidade e sarcopenia, ela representa uma condição clínica com características próprias, cuja progressão agrava o risco cardiovascular de forma significativa. Reconhecer essa entidade, padronizar sua definição e aprimorar as abordagens terapêuticas são passos essenciais para reduzir a morbimortalidade associada.
Para os profissionais de saúde, isso implica em olhar além do IMC e considerar avaliações funcionais e metabólicas mais amplas. Na prática clínica, a identificação precoce da obesidade sarcopênica pode ser determinante para o sucesso de intervenções preventivas e terapêuticas, sobretudo no campo da cardiologia preventiva.
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