Os agonistas de receptores de GLP-1 (GLP-1R) revolucionaram o tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2, promovendo perda de peso significativa e melhora metabólica. A próxima geração de fármacos, como a tirzepatida, combina a ativação dos receptores de GLP-1 e de peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIPR), alcançando reduções de peso superiores a 20% em pacientes com obesidade.
Apesar do impacto clínico, os mecanismos centrais responsáveis pelo efeito sinérgico entre GIPR e GLP-1R ainda não estavam totalmente esclarecidos. O estudo conduzido por Hansford et al. (2025) trouxe uma contribuição inédita ao revelar o papel dos oligodendrócitos, células tradicionalmente associadas à mielinização, na mediação da ação anorética e da perda ponderal induzidas pelos co-agonistas.
Fonte: Hansford R. et al. Cell Metabolism (2025).
“Glucose-dependent insulinotropic polypeptide receptor signaling in oligodendrocytes increases the weight-loss action of GLP-1R agonism”
GIPR em oligodendrócitos: uma nova via de regulação metabólica
O grupo de Cambridge identificou que o receptor de GIP (GIPR) está fortemente expresso em oligodendrócitos (OLs) do eminência mediana (median eminence, ME), uma região hipotalâmica essencial na comunicação entre o sangue e o cérebro. Essa descoberta contrasta com a ideia anterior de que o GIP atuava apenas em neurônios.
Em modelos murinos, a deleção do GIPR em oligodendrócitos adultos reduziu a oligodendrogênese e a sobrevivência dessas células na ME, além de atenuar o efeito de perda de peso obtido com o agonismo conjunto de GIPR/GLP-1R. Isso indica que a integridade da sinalização do GIPR nos oligodendrócitos é necessária para o pleno efeito metabólico dos co-agonistas.
Mecanismo proposto: maior acesso cerebral aos agonistas de GLP-1R
Os autores mostraram que o agonismo do GIPR aumenta a permeabilidade vascular e a expressão de VEGF-A na eminência mediana, facilitando a entrada dos agonistas de GLP-1R no cérebro, um ponto crucial, pois essas moléculas não atravessam a barreira hematoencefálica convencional.
Nos experimentos, camundongos tratados com o agonista de GIP apresentaram maior penetração de GLP-1R agonistas (como a liraglutida e análogos) nas regiões hipotalâmicas, particularmente na ME e no núcleo arqueado. Esse fenômeno dependeu da presença de GIPR nos oligodendrócitos, sugerindo que essas células modulam a interface neurovascular para potencializar o efeito dos incretínicos.
Consequências metabólicas: integração entre GLP-1R e GIPR
Quando comparados com animais-controle, os camundongos com deleção de GIPR em OLs mostraram:
- redução do gasto energético e da sensibilidade à insulina;
- alterações no metabolismo de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA);
- e perda da sinergia entre os agonistas de GIPR e GLP-1R sobre peso e apetite.
Esses resultados sustentam a hipótese de que o GIPR em oligodendrócitos é um mediador essencial para que a tirzepatida exerça seu efeito máximo de perda ponderal, ao permitir maior acesso do GLP-1R agonista às vias hipotalâmicas envolvidas na regulação da saciedade.
Neurônios vasopressinérgicos: alvo final da ação incretínica
Outro achado importante do estudo foi a identificação de neurônios vasopressinérgicos do núcleo paraventricular do hipotálamo (PVH) como alvo funcional dos agonistas de GLP-1R.
Esses neurônios expressam o GLP-1R e têm seus axônios mielinizados passando pela eminência mediana, o que os torna acessíveis aos fármacos administrados perifericamente. A ativação dessas fibras foi necessária para a perda de peso induzida pelos agonistas de GLP-1R. Quando os pesquisadores inibiram esses neurônios, o efeito anorético e de perda de peso desapareceu.
Assim, o estudo sugere uma sequência mecanística:
- Ativação de GIPR em oligodendrócitos → aumento da permeabilidade vascular e do VEGF na ME;
- Maior acesso dos agonistas de GLP-1R (como o componente GLP-1 da tirzepatida) às terminações de neurônios vasopressinérgicos;
- Ativação de GLP-1R nesses neurônios → supressão do apetite e perda de peso.
Implicações clínicas: um novo paradigma para terapias incretínicas
Os resultados de Hansford et al. revelam um novo paradigma fisiológico para o entendimento da tirzepatida e de outras co-agonistas GIPR/GLP-1R. O efeito sinérgico entre os receptores não depende apenas da interação direta em neurônios hipotalâmicos, mas também da modulação estrutural e funcional da barreira neurovascular pelos oligodendrócitos.
Esses achados explicam, em parte, o motivo pelo qual as terapias duais produzem perda de peso mais robusta do que os agonistas isolados de GLP-1R, como a semaglutida. Além disso, abrem caminho para novas abordagens terapêuticas visando otimizar o acesso cerebral de incretínicos e explorar o papel de células não neuronais na regulação energética.
Conclusão
O estudo de Hansford et al. representa um avanço significativo na compreensão dos mecanismos centrais de ação da tirzepatida. Ao demonstrar que a sinalização do GIPR em oligodendrócitos aumenta o acesso cerebral dos agonistas de GLP-1R e potencializa a perda de peso, os autores introduzem um novo componente celular na fisiologia da homeostase energética.
Para a prática clínica, esses achados reforçam o caráter multifatorial da ação das co-agonistas incretínicas e sugerem que o sistema nervoso central, incluindo células gliais, desempenha papel ativo na eficácia terapêutica de agentes como a tirzepatida.
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